Friday, June 29, 2007

PASSEIO (Trecho)

1
Não haverá um equívoco em tudo isso?
O que será em verdade transparência
Se a matéria que vê, é opacidade?
Nesta manhã sou e não sou minha paisagem
Terra e claridade se confundem
E o que me vê
Não sabe de si mesmo a sua imagem.

E me sabendo quilha castigada de partidas
Não quis meu canto em leveza e brando
Mas para o vosso ouvido o verso breve
Persistirá cantando.
Leve, é o que diz a boca diminuta e douta.

Serão leves as límpidas paredes
Onde descansareis vosso caminho?
Terra, tua leveza em minha mão.
Um aroma te suspende e vens a mim
Numas manhãs à procura de águas.
E ainda revestida de vaidades, te sei.
Eu mesma, sendo argila escolhida
Revesti de sombra a minha verdade.

2
Lenta será minha voz e sua longa canção.
Lentamente se adensam essas águas
Porque um todo de terra em mim se alarga.

E de constância e singeleza tanta,
Meus mortos hoje sobre um chão de linhos
Por algum tempo guardarão meu ritmo
Nos ouvidos da terra. De granito.
Pude aclarar a sombras nos oiteiros
E aquecer num sopro o vento da tarde.
Mas não vereis ainda meus prodígios
Porque haverá lideiras neste outono
E vossos olhos estarão por lá
Desocupados do sono, extremados
Para uma só visão num só caminho.

3
Quisera descansar as mãos
Como se houvesse outro destino em mim.
E castigar as falas, alimárias
Vindas de um outro mundo que não sei.
Fazê-las repetir suas longas árias
Até que a morte silencie as mandíbulas
Claras...

HILDA HILST

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