Monday, September 24, 2007

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...”Toda cidade desconhecida é uma cerrada rede de signos sobrepostos que demandam uma demorada decifração. Trata-se de um conhecimento tortuoso e, ainda mais, sofrido, se o provinciano for também um “estreante” na vida”






... “processo de modernização transforma não só o perfil e a ecologia urbanos, mas também as experiências dos habitantes da cidade, aquela que constitui uma questão fundamental para os modernos. Lugar por excelência das transformações que resultaram da Revolução Industrial, a cidade tornou-se uma paisagem inevitável, pólo de atração e de repúdio, paradoxalmente uma utopia e um inferno. Foi traço forte na pauta das vanguardas e continua, neste final de século, a ser um problema, objeto do debate pós-moderno, num momento em que a era das cidades ideais caiu por terra. Esse processo torna a cidade uma imensa arena de discursos gastos e dispersos, lugar de inscrição e rasura dos signos que desafiam o olhar do habitante, que busca ler a ilegível linguagem urbana.
Assim, os olhos dos habitantes, leitores da cidade, estão num processo de fusão visual, compactando uma multiplicidade de gestos, movimentos e imagens, no ato de ver/ler a cidade. Na experiência urbana, cruzam-se extremos momentos de conflito e o banal que sustenta a cidade e lhe dá vida. Tais cruzamentos constituem fatores condicionantes da percepção desses leitores.
Ler a cidade é engendrar uma possível leitura para o que se foi tornando ilegível, num jogo aberto e sem solução. Essas leituras são o relato sensível dos modos de ver a cidade, produzindo uma cartografia simbólica, captando-a enquanto “símbolo complexo capaz de exprimir a tensão entre racionalidade geométrica e emaranhado de existências humanas” como ressalta Italo Calvino, no ensaio “Exatidão”, uma das Seis propostas para o próximo milênio.”

...”A cidade é o absurdo?”

...”Através destes percursos pelas cidades de letras e imagens, grafias e fotogramas —conjugadas pela arte de andar e de ver —, percebe-se que não há a exclusividade de um modelo para a leitura da cidade. Aceitando o fragmentário, o descontínuo e contemplando as diferenças, os textos de Henrique Dinis da Gama, José Cardoso Pires e Rubem Fonseca procuram escapar às exigências excludentes do modernismo, refuncionalizando a tradição, respectivamente, das culturas portuguesa e brasileira. Reciclando a memória cultural, esses textos cenarizam a cidade patchworkcom sua polifonia, sua mistura de estilos, captados por olhares que colhem a multiplicidade de signos, na busca de decifrar o urbano lisboeta e carioca, que se situam, ambos, no limite extremo e poroso entre ficção e realidade. Conjugando fotogramas, vozes e grafias, os textos revelam a cidade enquanto o lugar de inscrição e rasura dos signos cuja legibilidade seduz e desafia o olhar do leitor, ao mesmo tempo que indicam serem cidades não apenas produtos da memória ou do desejo, como muitas das cidades invisíveis de Italo Calvino; são objetos complexos que incluem a realidade e sua descrição: cidades que se confundem com as palavras, as imagens e as vozes usadas para descrevê-las. A operação poética que (re)inventa, que dá a ver essas cidades, é levada, entretanto, até certo ponto; caso contrário, obter-se-iam cidades verossímeis demais para serem verdadeiras” (Renato Cordeiro Gomes)

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